sexta-feira, 16 de setembro de 2011

 Há lugar ainda para métodos
de alfabetização? Conversa
com professores(as)


Andréa Galvão e Telma Ferraz Leal

A alfabetização é algo que deveria ser ensinado
de forma sistemática, ela não deve ficar diluída
no processo de letramento.
(Magda Soares)



Para começo de conversa

             Ao sermos solicitadas para escrever este artigo veio-nos logo a idéia de podermos refletir com os professores e as professoras sobre um tema tão atual e instigante quanto os caminhos e descaminhos da alfabetização. Conhecer ou revisitar alguns métodos de alfabetização é nos lançar a questão: “É possível alfabetizar sem método?” Ou, “Qual é o melhor caminho a trilhar para a aquisição da leitura e da escrita por nossos alunos?”
            Muito se escreveu sobre esse tema e muito conhecimento foi produzido acerca da aprendizagem dos alunos, sobretudo com as pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita, desde os trabalhos de Ferreiro e Teberosky a partir dos anos 1980. No entanto, como indica Ferreiro (2005).

Os dados da pesquisa psicogenética não resolvem os problemas
do ensino, mas colocam novos desafios relativos aos
problemas clássicos da didática: o que ensinar, como ensinar,
quando ensinar, o que, como, quando e por que avaliar.

              O que temos, nos dias atuais no nosso país, segundo recentes avaliações, são patamares inaceitáveis de analfabetismo, e o que é mais grave, alunos saídos do nosso sistema de ensino e que, no entanto, não conseguem ler e escrever um texto simples após quatro ou cinco anos de escolaridade!
            Não é raro ouvirmos da boca de pais e professores as idéias de que “antigamente as crianças aprendiam a ler e a escrever com facilidade” ou ainda “no meu tempo é que era bom: a gente aprendia a
escrever o alfabeto e se não soubesse, tinha que repetir cem vezes no caderno” ou mais comum ainda, “a culpa é desses ‘métodos’ modernos.Os alunos não aprendem!”
                Salientamos que nossa intenção, neste artigo, não é fazer a defesa da volta aos métodos tradicionais de ensino da língua ou da utilização de práticas que tratavam, e ainda tratam, o aprendizado da língua materna de forma fragmentada e descontextualizada. Entendemos, porém, ser necessário conhecer alguns métodos de alfabetização e refletirmos sobre seus limites e possibilidades, ajustando-os às mudanças conceituais produzidas pelas pesquisas e às exigências da sociedade contemporânea. É pertinente e urgente ainda pensar sobre a necessidade de organizarmos estratégias ordenadas e sistematizadas para o ensino e a aprendizagem do sistema de notação alfabético, já que esse é um objeto de conhecimento que tem suas especificidades. 
               Magda Soares (2003) propõe um tema oportuno para o debate: a perda de especificidade do processo de alfabetização nas práticas escolares. A argumentação que desenvolve para tratar o tema parte do pressuposto de que a aprendizagem da leitura e da escrita é um processo que se faz por meio de duas vias, uma técnica e outra que diz respeito ao uso social. Não seria recomendável considerá-las de
forma dissociada, já que essas se estruturam uma simultânea a outra e mantêm entre si relação de interdependência. O que Magda Soares nos ensina é que, de um lado, esse processo implica o indispensável
aprendizado de uma técnica que consiste, entre outras coisas, em levar o indivíduo a ser capaz de estabelecer relações entre sons e letras, de fonemas com grafemas.
            A justo título, a autora defende que o domínio dos princípios técnicos da escrita alfabética supõe compreender, sobretudo, que as representações gráficas estão associadas ao som que elas representam,
aprender a pegar no lápis e, ao mesmo tempo, que, no Ocidente, se escreve da esquerda para a direita e de cima para baixo, na quase totalidade das situações.
             Por outro lado, o aprendizado da técnica só fará sentido se ele se fizer em situações sociais que propiciem práticas de uso. Não adianta aprender uma técnica e não saber usá-la, afirma Soares. Nesse
sentido, o uso social é que dá sentido ao domínio da técnica.
                   No entanto, o domínio da técnica (relacionar som/grafia, reconhecer letras, codificar, usar o papel, usar o lápis, etc.), mas também o domínio do uso nas práticas sociais, as mais variadas, importam em
duas aprendizagens distintas, em termos de processos cognitivos e de objetos de conhecimento. Esses processos são distintos, mas indissociáveis, porque as duas aprendizagens se fazem ao mesmo tempo, uma não é pré-requisito da outra.
                Nessa perspectiva, diferentes pesquisas têm demonstrado que é possível e necessário alfabetizar com uma diversidade de textos de uso social, sem o uso de cartilha, incentivando os alunos a produzir e a interpretar textos de circulação social, estimulando-os a compreender seu uso, colocando enfim os aprendizes em interação entre si de tal forma que todos os alunos possam ditar textos, corrigir, refazer
seus textos e os de seus companheiros.
                   Ao professor cumpriria organizar e socializar as informações que os alunos trazem consigo e, progressivamente, criar as situações necessárias em que eles assumam os papéis de leitor e de escritor.
                  As recentes investigações alertam ainda que apropriar-se de tal objeto de conhecimento, fazendo uso das suas práticas sociais, requer da escola, e não somente dela, um lugar específico para se pensar
a língua escrita e a leitura.
                 Diferentemente, a escola tem desenvolvido práticas alfabetizadoras que se estruturam com base em uma lógica linear e seqüencial, segundo a qual só se passa a aprender uma coisa ao se aprender outra. Primeiro se aprende a ler e a escrever, depois é que se aprende seus usos por práticas sociais. Ou então, ao revés, as práticas alfabetizadoras mergulham direto nos usos, esquecendo-se de considerar as especificidades do processo de apropriação do Sistema de Escrita Alfabética (SEA), processo esse que Soares nomeia de “desinvenção” da alfabetização.

...a alfabetização é uma parte constituinte da prática da leitura
e da escrita, ela tem uma especificidade, que não pode ser
desprezada. É a esse desprezo que chamo de “desinventar” a
alfabetização. É abandonar, esquecer, desprezar a especificidade
do processo de alfabetização.

                A autora defende a idéia de que, em razão da crítica aos métodos de alfabetização, protagonizada por certo discurso didático-pedagógico, terminou-se por se “desconstruir” a idéia, inscrita na tradição
da educação escolar e da formação de professores no País, de que “não seria preciso haver método de alfabetização”, julgando-se importante, em substituição, o contato com material de leitura e de escrita. Magda Soares argumenta que “por equívocos e por inferências falsas, passou-se a ignorar ou a menosprezar a especificidade da aquisição da técnica da escrita”, indicando que a concepção construtivista de ensino e aprendizagem ajudou a difundir, erroneamente, tais idéias.
               Com efeito, a alfabetização é um processo de construção de hipóteses sobre o funcionamento do sistema alfabético de escrita. Para aprender a ler e a escrever, o aluno precisa participar de situações que o desafiem, que coloquem a necessidade da reflexão sobre a língua, que o leve enfim a transformar informações em conhecimento próprio. É utilizando-se de textos reais, tais como listas, poemas, bilhetes, receitas, contos, piadas, entre outros gêneros, que os alunos podem aprender muito sobre a escrita.
             Por que é tão difícil, porém, apesar de os conhecimentos aqui abordados já serem tão difundidos e repetidos por professores e professoras, criar as condições para que esse processo flua de maneira favorável a esses que estão implicados nessa “batalha”: alunos e professores?
            Nesse ponto, retomamos a questão central deste artigo: “É possível alfabetizar sem método?”
            Batista et al (2003), em um texto recente, tece algumas considerações sobre a questão do método dentro de uma perspectiva que relaciona as dimensões macro e microescolar, que julgamos importantes
recuperar aqui, uma vez que elas ajudam a balizar a abordagem que pretendemos adotar para tratar a questão acima.

Seria ótimo se os problemas da alfabetização no País pudessem
ser resolvidos por um método seguro e eficaz.
Mas as metodologias mesmas não são suficientes para
assegurar resultados positivos, pois dependem sempre do
professor, de sua sensibilidade para interpretar as necessidades
dos alunos – particularmente daqueles que apresentam
dificuldades no processo de aprendizagem. Dependem
também de uma organização coletiva da escola e
das redes de ensino, por meios dos quais são definidos os
patamares mínimos de aprendizagem numa série ou ciclo,
estabelecendo formas diagnósticas e desenvolvidos processos
de intervenção.

          As reflexões do autor são, sem dúvida, pertinentes, por nos levar a entender que a questão do método de alfabetização não pode ser tratada de forma isolada nem separada do contexto mais amplo (a escola, as redes de ensino, a sociedade) em que se situa. Elas têm o mérito ainda de por em relevo o papel que o professor tem a desempenhar na busca de resultados positivos, o que exige do docente sensibilidade para agir como intérprete das necessidades dos alunos (particularmente daqueles que apresentam dificuldades no processo de aprendizagem). Esta última idéia nos leva direto às proposições atuais do alfabetizar letrando, implicando que tratemos da questão do método de alfabetização, na sua perspectiva microescolar. Essas proposições situam a questão no plano da reflexão sobre a sala de aula e sobre o desenvolvimento das atividades da classe, com as suas especificidades. Situam-na ainda no plano da reflexão sobre as unidades menores que compõem o nosso sistema de escrita (palavras, sílabas, letras), não necessariamente nessa ordem; no plano do desenvolvimento das capacidades de análise fonológica das palavras, da busca de semelhanças e diferenças na escrita das palavras, etc. Isso sem perder de vista o sentido do que é ler
e escrever e o fato de que os textos que circularão no espaço escolar podem e devem ter vinculação com as práticas sociais de leitura e escrita. Textos reais para alunos reais que necessitam conhecer e se apropriar desses instrumentos produzidos por nossa sociedade para conhecer e dar sentido ao mundo.
            Esse parece ser um desafio para a organização do trabalho do(a) professor(a) alfabetizador(a). Como bem aponta Batista et al (2003, p. 22), o desafio coloca problemas de concepção e de organização
escolar que necessitam ser enfrentados coletivamente.

[...] é preciso que as redes de ensino enfrentem três problemas
que têm evitado enfrentar: o professor alfabetizador
precisa ser um dos mais capacitados da escola (ele precisa,
portanto, de uma adequada formação); precisa também ser
um dos mais valorizados da escola (ele precisa, portanto,
de um estatuto diferenciado). É necessário reorganizar a
escola e os tempos destinados ao trabalho coletivo, em equipes
de professores e coordenadores (o professor não é o
dono de sua sala, mas alguém que responde, com o conjunto
da escola, pela alfabetização de suas crianças).


A conversa chega ao seu ponto central: os métodos de alfabetização

               Para melhor contextualizarmos nossa discussão, apresentaremos, a seguir, os principais métodos de alfabetização repertoriados pela literatura. Tal conhecimento é importante para que nos apoiemos na história para conduzirmos novos rumos e traçarmos novas metas e estratégias de ensino.
               Sem o interesse de sermos exaustivos, traçaremos as características de cada um e algumas considerações sobre seus limites, com o objetivo de responder à questão que estamos examinando.
             Achamos conveniente, antes de apresentarmos alguns dos métodos mais utilizados, começarmos por definir melhor o que entendemos por método. No sentido amplo, método é um caminho que conduz
a um fim determinado. O método pode ser compreendido também como maneira determinada de procedimentos para ordenar a atividade, a fim de se chegar a um objetivo. No campo científico, ele é entendido como um conjunto de procedimentos sistemáticos que visa ao desenvolvimento de uma ciência ou parte dela. No sentido aqui empregado, o método de alfabetização compreende o caminho (entendido como direção e significado) e um conjunto de procedimentos sistemáticos que possibilitam o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita. Assim, precisamos explicitar que não temos a intenção de negar a importância dos métodos. Ao contrário, acreditamos que o ensino sistemático do sistema alfabético é não só desejável como também necessário.
              Vejamos então os métodos de alfabetização mais utilizados em determinados momentos históricos no Brasil. Grosso modo, podemos afirmar que os métodos de alfabetização se dividem em três grandes grupos: os métodos sintéticos, os métodos analíticos e os métodos analítico-sintéticos. Por serem construções
heterogêneas, esses grandes grupos possuem, cada um, variações que denotam seu dinamismo.

Métodos sintéticos

            Os métodos sintéticos são os métodos que prevêem o início da aprendizagem a partir dos elementos estruturalmente “mais simples”, isto é, letras, fonemas ou sílabas, que, através de sucessivas ligações, levam os aprendizes a ler palavras, frases e textos. Ou seja, parte-se das unidades menores (letras, fonemas ou sílabas) para passar a analisar unidades maiores (palavras, frases, textos). Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do pressuposto de que a aprendizagem é mais fácil quando se parte das unidades mais elementares e simples (em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar unidades inteiras e significativas. Ou seja, acredita-se que as coisas mais simples do ponto de vista lógico devem ser, também, mais simples do ponto de vista psicológico.
                Como foi historiado por Roazzi, Leal e Carvalho (1996, p. 7):

Os métodos sintéticos foram os primeiros a serem utilizados
(Mialaret, 1967; Matthews, 1966). Pode-se dizer que estes
métodos, sob forma dos métodos alfabéticos, são os mais
antigos, sendo utilizados, sem outros competidores, desde a
antiga Grécia e o Império Romano até o início do século
XVIII. O método é assim descrito por Dionigi de Alicarnasso:
“Quando aprendemos a ler, antes de tudo aprendemos os
nomes das letras, em seguida suas formas e seus valores,
então as sílabas e suas modificações, e depois disso as palavras
e suas propriedades, isto é, os alongamentos, a acentuação
e outras coisas deste tipo. Quando chegamos a conhecer
isto, enfim, começamos a ler e escrever, sílaba por sílaba,
inicialmente de forma lenta; em seguida, quando passado um
tempo considerável, estão impressas no nosso âmago suas
formas determinadas. Fazemos o mesmo exercício na forma
mais fácil possível, de modo a poder ler com segurança
e prontidão inacreditáveis, sem encontrar obstáculos em
qualquer livro com que nos encontramos”. (citado em
MATTHEWS, 1966, p. 6).

              A idéia de que o treino do nome das letras era pré-requisito para a aprendizagem da leitura fundamentava a técnica da soletração,em que os alunos pronunciavam os nomes das letras, unindo-as em
sílabas e depois em palavras (bê com a, ba, te com a, ta, bata).
             A crítica a esse modelo de alfabetização fez-se no próprio interior da perspectiva sintética. Os adeptos dos métodos fônicos acusaram que tal procedimento artificializava o processo, criando problemas
na oralização das palavras (os nomes das letras não correspondiam aos sons que elas representavam). Assim, os defensores dos métodos fônicos adotaram o pressuposto de que cada letra dispõe de
certa autonomia fonética e se baseia nas intuições fonéticas da criança e em sua capacidade de imitação de sons específicos.

Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras, aprendidas
uma de cada vez, de acordo com seu valor fônico, como
se pronunciam enquanto unidades das palavras. Desta forma,
o método fônico possuiria a vantagem de não criar interferências
entre o conhecimento dos nomes das letras e o
conhecimento do som correspondente. Apesar do avanço
apresentado pelo método fônico em relação ao método alfabético,
não são eliminados os problemas do mecanicismo e
repetitividade da aprendizagem, obrigando ainda a criança a
estar longe por um longo período de tempo dos significados
das palavras e dos textos, verdadeiro objetivo da aprendizagem
da leitura (ROAZZI, LEAL e CARVALHO, 1996, p. 8).

            Acrescentamos a essa crítica, a preocupação com a passividade do aluno diante da aprendizagem do sistema de escrita. Se prestarmos atenção à língua falada, é fácil percebermos que essa se apresenta como algo que flui continuamente. Esse fluxo sonoro dificilmente apresenta intervalos entre as palavras. Concebemos que é a exposição a situações de reflexão sobre as palavras que pode ajudar as crianças e adultos em processo de alfabetização a perceber essas unidades menores.
           Os métodos silábicos também podem ser lembrados nesse grupo. As abordagens baseadas nos métodos silábicos promovem o ensino, de modo que os alunos são levados a memorizar padrões silábicos (partindo dos mais simples, com estrutura consoantevogal) e, depois, a uni-los em palavras. Nesse sentido, os alunos só eram chamados a formar palavras que fossem compostas dos padrões silábicos trabalhados. A concepção básica é que a aprendizagem ocorre por memorização, bem como a alfabetização também assim ocorre.
          Em conclusão, as abordagens sintéticas parecem ignorar, definitivamente, o caráter significativo da escrita no seu processo de aquisição, o que provavelmente implica uma desmotivação para tal aprendizagem,
além de não contribuir para auxiliar a criança a perceber a funcionalidade desse objeto para o cotidiano.

Métodos analíticos

            Os métodos analíticos são aqueles que propõem um ensino que parte das unidades significativas da linguagem, isto é, palavras, frases ou pequenos textos, para depois conduzir análise das partes menores
que as constituem (letras e sílabas). Como salientam ROAZZI, LEAL e CARVALHO (1996, p. 9):

A análise das unidades mais simples e elementares das palavras
não é feita fora do significado que estas partes contribuem
para formar. Estes métodos se fundamentam no fato de
que os mecanismos formais da leitura não são necessários
nas fases iniciais, podendo até tornarem-se um obstáculo.
Nessa abordagem, concebe-se que a habilidade da criança em
extrair o sentido do mundo da escrita implicitamente a capacitará
a utilizar seus mecanismos. A explicação lógica do método
analítico é que a criança não reconhece que as letras
representam unidades de sons, de forma que o inteiro conjunto
de letras é ensinado em sua totalidade como se representasse
uma palavra específica.

           No ensino que parte das palavras, coloca-se a criança diante de um conjunto de palavras que elas reconhecem globalmente, através da memorização, e, aos poucos, quando a criança aprende uma pequena
quantidade de palavras, essas são apresentadas em combinações diferentes para construir sentenças significativas. Após as crianças dominarem um conjunto de palavras de forma estável, passa-se a enfatizar que os símbolos das letras representam determinado som específico.
          Cada fonema passa a ser trabalhado até que a criança se torne capaz de operar conversões letras-sons de maneira quase automática.
          De modo similar, nos métodos que se parte de sentenças, propõe se que os alunos memorizem sentenças e façam a leitura global até que passem a reconhecer partes dessas sentenças em outras sentenças.
             Assim,

Esses métodos prevêem, no início da aprendizagem, um período
bastante longo dedicado à atividade de memorização de
unidades estruturalmente mais complexas da língua escrita
(palavras e frases), para somente em seguida, através de um
processo espontâneo de descoberta, as crianças passarem a
subdividi-las e a prestar atenção às suas peculiaridades (fonemas,
sílabas e letras). Por sua vez, a partir das letras e
sílabas aprendidas, a criança passaria a ler e escrever as outras
palavras e frases ainda não memorizadas. Desta forma, a
criança alcançaria uma compreensão da correspondência entre
sons e letras (fonemas/grafemas) e, em seguida, tornar-seia
capaz de ler qualquer palavra nova, através de um processo
de análise e síntese. Nessa perspectiva, concebe-se que
nos métodos analíticos parte-se da palavra, das frases e textos
a partir dos interesses das crianças. A análise da criança
acerca da estrutura da palavra e seus elementos componentes
será realizada, neste ponto de vista, alguns meses depois em
função de um interesse “espontâneo” da criança (ROAZZI,
LEAL e CARVALHO, 1996, p. 9).

             Um dos primeiros pedagogos a fornecer uma definição e caracterização desse tipo de perspectiva foi Nicholas Adams, em 1787 (citado em Titone, 1963): “Quando você quer fazer conhecer um objeto
a uma criança, por exemplo, um vestido, passou pela vossa mente mostrar-lhe separadamente as mangas, a frente? Não, certamente. Pelo contrário, você mostra o vestido todo e diz: eis aqui um vestido. É também desta forma que as crianças aprendem a falar; por que não fazer o mesmo para ensinar a ler e escrever?” (p. 102). Na proposta de Adams, são fornecidas à criança palavras conhecidas e com certa conotação emocional, como mamãe, papai, prato, etc. Aos poucos, aumenta-se o número de palavras e pede-se à
criança para discriminar entre eles:

A experiência irá vos convencer que o pequeno aluno necessitará
de muito menos tempo para reconhecer estas seis palavras,
do tempo que seria necessário para torná-lo capaz de
distinguir com segurança um /a/ de um /b/ ou de um /c/. Quando
ele tiver em sua caixa duas ou três dúzias de folhas de
papel, escreva novamente estas mesmas palavras em cartas
de jogos iguais e procure que a criança emparelhe as folhas
com as cartas correspondentes; em muito pouco tempo as
folhas de papel se tornarão inúteis, e só o aspecto das letras
que compõem as palavras será suficiente para lê-las.

              Adams continua dizendo:

Pensem que enquanto vocês estão lendo, não lêem senão palavras
e frases inteiras e não letras e sílabas; e que quando cantam vocês
percebem um todo musical e não as simples notas. Supõe-se,
como a razão e a experiência provam, que a criança depois de três
meses saiba pelo menos ler uma pequena estória. (p. 103)

           Outro educador que também caracterizou os métodos analíticos foi Decroly, que colaborou para elaboração do método analítico, mais especificamente denominado de método global (ver DECROLY & DEGAND, 1906). Os pressupostos teóricos são oriundos das abordagens ídeovisuais, ou naturais. A base de sustentação teórica era a Psicologia, que, no final da século XIX e começo do século XX, destacava que o primeiro momento no processo de aprendizagem fosse do tipo sincrético ou global, e a leitura era vista como um processo eminentemente visual. Decroly defendia que era necessário partir das frases: “Significa ir do composto concreto para chegar aos detalhes abstratos (sílabas, letras)” (p. 294).
          Os critérios que caracterizavam esse método eram basicamente quatro: 1) a adoção de um procedimento basicamente visual; 2) a utilização de uma frase ou de uma palavra concreta inserida em uma ação a ser executada; 3) inúmeras repetições facilitadas pelo interesse e pelo jogo; 4) decomposição natural das palavras elaboradas pela mesma criança. Para Decroly, a centralização do processo de aprendizagem em
frases ou palavras satisfaria exigências motivacionais e emocionais.
                 Nessa mesma linha, Dottrens & Margairaz (1951) afirmavam que:

A leitura deve se tornar ocasional, a necessidade de sua aprendizagem
deve aparecer com o propósito de uma necessidade
da criança, deve responder aos seus interesses... A comparação
(entre sílabas e letras iguais) se estabelece espontaneamente,
sem precisar que o professor intervenha. Insistimos sobre o
fato de que para ter todo o seu valor, este trabalho de análise
seja espontâneo e não provocado. (p. 59-60)

        Essa ênfase na espontaneidade do processo de aprendizagem pode ser encontrada também em Mialaret:

Seria preferível falar em decodificação e análise porque é o
desejo de ler uma palavra nova que conduz à atividade de
análise, mas existem, também, análises espontâneas que não
podem ser negligenciadas. (p. 85)

           Resumindo, podemos destacar, com Roazzi, Leal e Carvalho (1996), que:

Uma característica fundamental dos métodos analíticos refere-
se não só à preocupação com aspectos motivacionais,
mas também à não diretividade do professor na condução
do processo de aprendizagem. Isto é, a aquisição das letras
e do valor da relação espaço-temporal entre elas é feito
através de um processo de análise-síntese espontâneo e
ocasional de palavras inteiras anteriormente memorizadas.
Desta forma, privilegia-se, neste processo, o caráter de espontaneidade
e ocasionalidade, isto é, o interesse ocasional
espontâneo da criança.

Métodos analítico-sintéticos

              Os métodos analítico-sintéticos partem de um processo que começa em um estágio de conhecimento global (palavras, frases, textos), para, logo em seguida, passar a um estágio analítico-sintético,
caracterizado pela decomposição das palavras em letras ou em sílabas. Roazzi, Leal e Carvalho (1996, 13-14) destacam que:

Os métodos analítico-sintéticos derivam de um modelo de
aprendizagem que, apesar de partir de conjuntos complexos
da língua escrita, como palavras ou frases breves, focaliza
sua atenção, de forma mais específica, nas fases de análisesíntese.
Do ponto de vista cognitivo, estas fases são consideradas
como as mais complexas e difíceis para a criança. Conseqüentemente,
estas fases de análise-síntese devem ser,
dentro dessa perspectiva metodológica, organizadas de forma
sistemática sem deixá-las à mercê de descobertas ocasionais
e espontâneas por parte das crianças. As crianças são
guiadas de forma intencional, através de exercícios sistemáticos
e de ajuda direta. Na prática, é necessário que sejam
escolhidas algumas palavras, frases ou textos simples, cuja
análise, comparação e síntese, praticadas simultaneamente
desde o começo, devem fazer conhecer à criança, na sucessão
desejada, os elementos da língua que lhe permitem aprender
o mecanismo da leitura.

                      O método “Le sablier”, elaborado por Giséle Prefontaine (1969), e explicitamente denominado pela autora como método analítico sintético; o método proposto por Correl, em 1967 (ver SKINNER & CORREL, 1974), de orientação comportamentalista, através da instrução programada; o método elaborado por Kratzmeier (1971), no final dos anos sessenta; e ainda o método elaborado por Sullivan (1986), denominado “Language experience approach” (LEA: Abordagem da Experiência da Linguagem) podem ser usados para exemplificar tal abordagem.
              Entre as variações do método analítico-sintético, encontramos a Palavração. Com ele, o aluno aprende palavras e depois as separa em sílabas para com estas formar novas palavras. Um exemplo bem próximo de nós é o chamado “Método Paulo Freire”, Ele consiste em um método de palavração global não-fonético, no qual as palavras são selecionadas dentro do universo vocabular dos alunos. Paulo Freire inovou quando propôs alfabetizar adultos partindo de palavras que estivessem fortemente ligadas à sua realidade. Um dos seus méritos está em reconhecer que a relação afetiva com as palavras impulsiona a aprendizagem: não há dúvida de que a conotação política e libertária do trabalho de Paulo Freire fizeram dele um dos educadores mais conhecidos no Brasil e no mundo.
            Todos os métodos até agora apresentados guardam entre si semelhanças que precisamos salientar. Conforme abordaram Roazzi, Leal e Carvalho (1996, p. 19-20), há:

uma certa predisposição a não considerar os conhecimentos
informais que a criança desenvolve acerca da escrita.
Nenhum dos diferentes métodos acima apresentados têm
considerado a bagagem de conhecimentos adquiridos pela
criança, isto é, suas idéias e hipóteses sobre a escrita, antes
desta entrar na escola e ser alfabetizada. Estudos recentes
(FERREIRO, 1988) têm demonstrado que a criança tem
conhecimentos e concepções acerca da escrita antes de ingressar
na escola, adquiridos em seus contatos diários com
o mundo da escrita. Pode-se observar também, nas análises
dessas abordagens, que há uma desconsideração da capacidade
que os aprendizes têm de formular hipóteses, analisar
o sistema da língua escrita (FERREIRO & TEBEROSKY,
1985; FERREIRO, 1991), e usar diferentes estratégias e
indícios auxiliares no seu processo de descoberta.

                Alertamos, ainda, que não há, na maior parte dessas propostas, preocupação com a inserção dos alunos em eventos em que a escrita apareça de forma dinâmica, com textos lidos ou escritos para atender
a diferentes finalidades sociais. A alfabetização na perspectiva do letramento não é, assim, foco de reflexão e, conseqüentemente, de ação pedagógica.
              Considerando esses limites, propomos não uma rejeição ao uso de métodos, e sim, como diz Magda Soares, uma reinvenção da alfabetização, com estratégias didáticas sistemáticas para ensinar os alunos a ler e a produzir textos com autonomia.

Algumas palavras finais dessa ponta de conversa

[...] os métodos viraram palavrões. Ninguém podia mais falar
em método fônico, método silábico, método global, pois todos
eles caíram no purgatório, se não no inferno. Isso foi uma conseqüência
errônea dessa mudança de concepção de alfabetização.
(Magda Soares)

              Como já foi dito, nosso interesse aqui não é o de defender a volta aos antigos métodos de alfabetização. Acreditamos, porém, que o professor necessita trilhar um caminho em que ele seja capaz
de compreender que a maioria das situações de produção do discurso oral e escrito é nova e estranha aos alunos na fase inicial da alfabetização e exige novas construções e organização do professor e da professora em sala de aula. Exigem, portanto, o domínio de práticas e métodos pedagogicamente ajustados aos contextos em que, para que e por que se aplicam. Exige ainda a capacidade de organizar seqüências didáticas especificas à apropriação do sistema de escrita alfabética, buscando, sempre que possível, incluir as
práticas e usos sociais da nossa língua. Nunca é demais lembrar que a apropriação do sistema de escrita alfabética comporta especificidades que demandam um professor com capacidade de entender que a aprendizagem da leitura e da escrita se faz, por exemplo, se o aluno reconhecer as relações entre fonemas e grafemas.
            Estamos assim retomando a questão inicial proposta. Com propriedade e sabedoria, Magda Soares (op. cit.) afirma o que acreditamos ser um caminho para pensarmos a prática e a metodologia de alfabetização, sem termos medo de nos apoiar nos conhecimentos que já dispomos para tornar eficaz o aprendizado da leitura e da escrita na escola,

Ora, absurdo é não ter método na educação. Educação é, por
definição, um processo dirigido a objetivos. Só vamos educar
os outros se quisermos que eles fiquem diferentes, pois educar
é um processo de transformação das pessoas. Se existem objetivos,
temos de caminhar para eles e, para isso, temos de saber
qual é o melhor caminho. Então, de qualquer teoria educacional
tem de derivar um método que dê um caminho ao professor. É
uma falsa inferência achar que a teoria construtivista não pode
ter método assim como é falso o pressuposto de que a criança
vai aprender a ler e escrever só pelo convívio com textos.
O ambiente alfabetizador não é suficiente.

                E tudo isso é apenas o início de uma longa conversa.


REFERÊNCIAS 

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